A PRIVATIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO PAULISTA: SUICÍDIO EM GRUPO

Antonio José Pedroso Neto

Resumo:

A partir de 1995, as empresas do setor elétrico paulista passaram por mudanças organizacionais que precederam e viabilizaram a privatização. Elas foram realizadas por seus funcionários sob o rótulo de modernização. O problema de pesquisa para o presente estudo era compreender como eles desencadearam a dinâmica das mudanças, dado que estavam cientes de que elas resultariam no desmantelamento do seu próprio corpo. No processo de mudanças, as diretrizes que adotaram dependeram de demandas externas. Entretanto, sob a perspectiva da sociologia bourdieusiana, consideramos que dependeram também das providências tomadas em cada empresa, isto é, que elas foram resultantes das interpretações e redefinições dessas demandas pelos agentes em interação sob os constrangimentos de um campo do poder na empresa. A pesquisa empírica centrou-se em uma empresa: em suas entidades sindicais e profissionais e, fundamentalmente, nos agentes da modernização, que foi capitaneado por um conjunto restrito de funcionários do alto escalão. As principais fontes de dados foram entrevistas, questionários, documentos e jornais. Nesta pesquisa verificamos que os cardeais do alto clero decidiram pela possibilidade de realizar um downsizing conduzido por eles próprios antes de ficarem expostos a um takeover no futuro próximo. Procuramos apresentar os constrangimentos e as perspectivas instigantes que os tocavam e, também, como algumas de suas ações concertavam com algumas demandas das entidades sindicais e profissionais. Verificamos também que, na apresentação e justificação da modernização, os cardeais do alto clero veicularam princípios de reclassificação e hierarquização da empresa e dos funcionários, juntamente com a idéia de resgatar e transferir parte deles para uma “nova empresa”. O a modernização seria a ponte. Neste contexto discursivo, eles convocaram os funcionários que iriam trabalhar na modernização e selecionaram os que iriam participar de um programa de treinamento. Em ambos, a oferta de lugares, aquém da demanda, implicou na firmação de uma fronteira entre os participantes e os não participantes, uma linha simbólica que separava os que tinham o “bilhete” para entrar na “nova empresa” e os que tinham um futuro indefinido. Essa fronteira implicou em divisão e hierarquização do conjunto dos funcionários, com desdobramentos como o aumento da diferenciação, da individualização e da competição internas coroadas com um realinhamento com os cardeais do alto clero. Enfim, criou as condições sociais de recepção do discurso e tornou-se um mecanismo que lhes permitiu imporem suas prescrições por meio da violência simbólica. Verificamos, ainda, que com a modernização os cardeais do alto clero tinham algo para demonstrar aos possíveis compradores: uma “reengenharia” em estudo e implantação. Com ela tinham diagnósticos e bases para dar continuidade a potenciais realizações: redesenho dos processos, ganhos de produtividade e eficiência, redimensionamento do quadro, formalização das atividades e do savoir-faire dos funcionários. Em conclusão, os cardeais do alto clero iniciaram um processo de mudança que envolveu os funcionários e adquiriu dinâmica própria. Posteriormente, todos perceberam que os estudos e as implantações realizadas produziram e ainda produziriam conseqüências imprevistas e não-desejadas: a “reengenharia” e a indefinição em relação ao futuro, de fato, se aplicavam a todos.

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